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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


O Último Gonzaga
Conversei com Luiz Gonzaga, pela última vez, em um restaurante à margem da BR-116, em Russas. De boné, sentado ao lado do seu motorista, tinha os olhos fixos na estrada. Estampava um rosto amargurado.
Magro, ombros caídos, em nada conferia àquele biofísico, abrindo os shows contratados pela nossa Rádio Progresso, estremecendo com sua sanfona a alma do folclore e do "sertão cabra da peste". Percebi estar próximo seu show terminal e tentei agradar-lhe com a surpresa daquele encontro.

Toquei-lhe o ombro: "Luiz Gonzaga! Que bom revê-lo neste sertão bravo!" Lento, ergueu a cabeça, sem identificar-me, ele respondeu: "Como vai o senhor?" E permaneceu triste e introspectivo. O motorista ao lado sinalizou-me com um olhar de decepção confirmando que seu patrão tão famoso em comunicação já não era o mesmo. O rei do baião não emitia voz nem poesia. Ao sair constrangido pelo impacto, doloroso demais, daquele encontro, escutei quando Gonzaga indagou do motorista: "Quem é aquele senhor?" E lá ficou embebido no asfalto. Prossegui viagem perguntando-me quem seria o substituto daquele rei cantor da alma e do poema do sertão nordestino. E fui cantando baixinho: "Mandacaru quando flora na seca é sinal que a chuva chega no sertão. Toda menina que abusa da boneca é sinal que o amor já chegou no coração"!

Texto clássico rico da literatura matuta, só encontrado na Academia de Letras do sertão de Luiz Gonzaga. Menos de um ano depois, escutei a notícia de sua triste partida às origens do seu artesanato artístico divino. Sanfoneiro do céu.
Geraldo Menezes Barbosa
Jornalista e escritor
extraído do Diário do Nordeste

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1210439

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